sábado, 3 de dezembro de 2011

CANOA CAIÇARA: BEM CULTURAL IMATERIAL DO BRASIL-IPHAN

A Canoa Caiçara é uma embarcação especialmente desenvolvida e adaptada para a pesca costeira de subsistência que ocorre no litoral sul fluminense, paulista, até o litoral norte paranaense. Sua produção totalmente artesanal é de domínio exclusivo de poucos mestres canoeiros ainda em atividade, que utilizando saberes e fazeres ancestrais transmitidos de geração em geração através da oralidade[1], conservam este patrimônio cultural capaz de assegurar a autonomia desta população tradicional em plena harmonia com o ambiente marinho e terrestre em que vivem.

 A cultura caiçara relacionada a construção de canoas corre o risco de desaparecer devido à falta de interesse de seus herdeiros em continuar a atividade, seja pela baixa remuneração, pela dificuldade do trabalho ou pela legislação ambiental que dificulta o acesso às matérias-primas.

 Torna-se necessário portanto não apenas garantir o acesso sustentado do caiçara aos grandes troncos de árvores, mas também resgatar e valorizar seu universo cultural tradicional para que as novas gerações se interessem, se envolvam, ampliem o conhecimento e o reproduza, perpetuando-o.

A canoa esculpida em um único tronco de árvore denominada canoa caiçara, é uma embarcação que carrega em suas linhas habilmente entalhadas a associação direta à população dos pescadores caiçaras que habitam a faixa litorânea que vai do litoral sul fluminense, paulista, até o norte paranaense.[2]

Seu design especial com características próprias, desenvolvidas e aperfeiçoadas visando garantir para esta atividade pesqueira tradicional a máxima funcionalidade e segurança com a mínima manutenção e gasto energético, garantiu a sobrevivência desta população caiçara em perfeita harmonia com o ambiente natural em que se inserem até os dias atuais.

A canoa caiçara desperta a curiosidade e admiração naqueles que a conhecem pela primeira vez, pelo fato de ser construída a partir de um único tronco de madeira. Também é motivo de veneração quase mística por aqueles que conhecem profundamente suas qualidades e segredos, que se revelam apenas durante os anos de intimidade diária nas pescarias de subsistência.

Objeto de raros estudos sobre suas características e técnicas construtivas, reunindo aspectos simbólicos, étnicos, técnicos e ergológicos, cujos únicos detentores destes saberes tácitos são os mestres caiçaras construtores de canoas de um só tronco, a canoa caiçara ainda carece do reconhecimento oficial como patrimônio cultural do povo caiçara.

Este dossiê reunindo fotos, relatos, estudos, pesquisas, vídeos e documentos relativos à descrição sistemática e pormenorizada do modo de fazer e dos saberes, junto com técnicas de uso de ferramentas, relacionados à canoa caiçara, tem por objetivo instruir o processo de tombamento dos saberes e fazeres relacionados à canoa caiçara de um só tronco produzida em território caiçara, para registro no Livro de Registro de Saberes junto ao IPHAN, Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, como bem cultural de natureza imaterial do Brasil, baseando-se nos artigos 215 e 216 da Constituição Federal de 1988, Decreto nº 3.551 de 4 de agosto de 2000 e no Decreto Federal nº 6.040 de 7 de fevereiro de 2007.   



[1] Roberto Verschleisser, Com quantos paus se faz uma canoa um estudo de casos 1990.  Dissertação Escola de Belas Artes-UFRJ.
[2] Antonio Carlos Diegues, Diversidade biológica e culturas tradicionais litorâneas: o caso das comunidades ciçaras 1988. NUPAUB-USP e Wanda Maldonado, Da mata para o mar: a construção da canoa caiçara em Ilhabela/SP  2001.  Dissertação PROCAM-USP.

Foto: Peter Santos Németh, Praia do Ubatumirim, Ubatuba, SP.

quarta-feira, 2 de novembro de 2011

Mestres Canoeiros

Em “A construção material e simbólica da canoa caiçara em Ilhabela”, de Wanda Maldonado, encontramos na página 316, a descrição dos conhecimentos práticos necessários para o mestre canoeiro transferir ou reproduzir material e simbolicamente a canoa dentro de um grupo social:
“Com relação à construção da canoa em Ilhabela observamos uma distinção entre o pescador que faz as canoas e o mestre-canoeiro. O primeiro pode até ter boa parte dos conhecimentos necessários à construção de uma canoa e obter um produto de qualidade razoável, ou seja, uma canoa pequena que servirá à pesca costeira. Mas ele não tem o reconhecimento social, não possui o status que caracteriza o especialista. O mestre-canoeiro, por sua vez, possui o conhecimento, as habilidades e, talvez a mais importante distinção, a experiência.
foto: Peter Santos Németh
...O mestre é o que conhece e domina o processo de construção da canoa por inteiro e coordena o trabalho dos ajudantes, seus aprendizes. O resultado do trabalho do mestre-canoeiro é uma canoa perfeita e a canoa perfeita é a que possui, além das qualidades necessárias à navegabilidade, uma estética reconhecida pelos pescadores.”

Pintor Gomide


“Depois da pesca”, Antonio Gomide, Ubatuba, década de 60. http://www.dangaleria.com.br/exposicao/expogomide/pinturas.html. Acesso em 28 maio 2011.
Muito provavelmente a Praia da Enseada em Ubatuba sp

Pau de Canoa

Em “Concurso literário Ubatuba 2008 - Antologia, poesia, conto, teatro” editado pela Fundart, no conto “Pau de canoa” de Edgard O. C. Prochaska, página 60, percebemos a importância simbólica da canoa dentro do universo mítico do caiçara:

Mais abaixo um pouco, para os lados do riacho que escorria rumo ao grotão, a claridade desenhou aos olhos de Fabiano a visão de uma grande canoa que flutuava silenciosa por entre a bruma da manhã. Fabiano ficou meio aturdido com aquela aparição, mas era homem de coragem e não dado a espantar-se com coisa pouca. Atirou de lado a capa pra acordar de vez, esfregou os olhos e apanhou do chão o picuá onde, decerto ainda haveria um resto de farofa e um golpinho de café na garrafa arrolhada.
Religioso à sua maneira de ser, sentiu ter recebido um sinal mandado de Deus. Era um pau de canoa perfeito, reto e sem falhas, casualmente poupado pelo machado ou pelo fogo, pelas avalanches ocasionais ou pelos relâmpagos das tempestades que, às vezes, varriam a serra do mar.
...Fabiano respeitava a natureza como se respeita a uma mãe, decerto pelo próprio caráter dele ou por sentimento de proteção às coisas vivas que nos cercam. Sabia que para fazer a canoa, teria de matar a árvore e outro jequitibá igual aquele dificilmente iria aparecer nas próxima gerações. Então ajoelhou-se ao pé do tronco e fez uma reza pedindo perdão ao espírito da floresta e ao jequitibá, pelo que sabia ser necessário fazer. Em seguida ajeitou o facão e gravou com a ponta do metal suas iniciais em três locais diferentes, marcando o tronco e reservando-o como sua propriedade para pau de canoa. Ao terminar a última marca, uma grande gota de resina escapou do talho e tomou a forma de lágrima, enquanto que uma lágrima também escorreu do olho de Fabiano. Dizem mesmo os antigos que conheciam o fato que, naquele momento, criou-se um elo mágico e por isso mesmo aquela canoa seria encantada.”     
foto: Peter Santos Németh

sábado, 22 de outubro de 2011

CANOA CAIÇARA DE UBATUBA NO YOUTUBE

Novo canal no youtube em que estamos reunindo vídeos sobre a cultura caiçara. Acompanhe: http://www.youtube.com/user/canoacaicara?feature=BF#p/f

foto: Peter Santos Németh - Trio de Guardiões/Ubatuba-SP
(Julinho Mendes, Ostinho e Mário Gato)

 
Como diria meu amigo canoeiro e rabequeiro Mário Gato: "Caiçara, uma cultura que resiste!"

sábado, 28 de maio de 2011

DVD FEITIO DA CANOA CAIÇARA, agora on-line.

O projeto dos saberes e fazeres da canoa caiçara registrou conhecimentos e técnicas sobre o feitio das canoas de um só tronco utilizadas pelas comunidades caiçaras; do litoral norte de São Paulo.
Através de atividade em grupo que proporcionaram a exposição e a transmissão desse conhecimento tradicional, oferecemos às novas gerações o reconhecimento da canoa caiçara como um bem de natureza imaterial dessa importante cultura do litoral brasileiro.
Neste DVD, apresentamos o registro em 4 vídeos: 
Apresentação do Projeto e Palestra com Amyr Klink - 19 minutos; 
A Corrida de Canoas da Praia da Enseada - 22 minutos; 
Oficina de Mestres Canoeiros - 27 minutos; 
O Feitio da Canoa pelo Canoeiro Renato - 32 minutos.

O DVD pode ser acessado livremente neste link: DVD Canoa Caiçara Youtube.
ou  adquirido pelo e-mail: bambuluz@yahoo.com.br - R$ 35,00.

Filmagem: Luiz Bargmann Netto; Diógenes S. Miranda e Silvio Cordeiro.
Direção e Edição: Luiz Bargmann Netto.
Finalização: Diógenes S. Miranda.
Produção: YPSE Comunicação, 2010.