quarta-feira, 26 de setembro de 2012

GIGANTE CANOA CUNHAMBEBE - ALMADA UBATUBA

Outra gigante monóxila de Ubatuba é a canoa caiçara Cunhambebe da Praia da Almada.(foto 1)
Feita de uma urucurana também no sertão do Ubatumirim pela família Neri Barbosa (vídeo), suas dimensões são inacreditáves 8,30 metros de comprimento por 1,45 metro de boca (proporção 5.7 bocas de comprimento).
De propriedade da família Teixeira de Oliveira, esta canoa fica protegida sob um grande carramanchão feito só para ela e mais duas outras canoas e vai para a água apenas em ocasiões especias. Aliás uma das outras duas canoas que fazem companhia para a Cunhambebe, chamada Nova Aliança, possui algo muito raro de se ver que é um pequeno convés na proa. Esta também é enorme medindo 8,55 metros por 1,19 metro de boca (proporção 7.2 bocas de comprimento) e este convés sugere que ela seja muito antiga. (Segundo o meu amigo Roberto, dono da Nova Aliança, ela tem aproximadamente 75 anos e fazia a ponte entre a Almada e a cidade de Ubatuba levando e trazendo as "quitandas" e moradores quando ainda não havia a estrada.)

 foto 1: Instituto Costa Brasilis

 foto 2: Roberto Teixeira de Oliveira

A foto acima mostra um raro momento da Cunhambebe matando a saudade da água salgada.
Podemos contar 13 remadores, (14 com o fotógrafo), comodamente instalados e aproveitando a remada. Nota-se que a Cunhambebe nem "sente" a carga de pouco mais de 1.1 tonelada. Essa é uma canoa verdadeiramente "cargueira" como fala o Caiçara e pode ser classificada na categoria de "batelão".
Um abraço a todos os amigos canoeiros da Praia da Almada.

Abaixo a Cunhambebe batendo mais um record em matéria de canoa: 17 embarcados!!
Foto tirada aproximadamente em 1997 antes dela receber a bordadura.




Fontes: 1 Acervo de Roberto Teixeira de Olivera.

             2 http://www.costabrasilis.org.br/projetos/canoas/CanoasFrame.html









quinta-feira, 13 de setembro de 2012

O CAIÇARA E A ETNOCIÊNCIA

Dia amanhecendo na Picinguaba e o "Seu Pú" (Benedito Correia da Silva), do alto de suas décadas de sabedoria, após um bom dia e um aperto de mão, regride no tempo e espaço levando-me junto na jornada.
Penetramos na Picinguaba de outrora, nomes de pesqueiros hoje quase esquecidos: cana do Elpídio, aguada, toca da velha, furado. Artes de pesca em desuso, relatos de pescarias memoráveis.
Um rol de nomes de pescadores do "tempo antigo" e suas aventuras.
Um tom de amargura também pelo descaso das autoridades com o "pescadô miúdo" que sofre com a pressão dos barcos grandes "de fora" que invadem a enseada em saques constantes.

Dito Pú, foto Peter Santos Németh.  


“(...)foi possível perceber que, embora por lógicas distintas, os pescadores detêm um conhecimento fundado em operações mentais semelhantes ao conhecimento científico formal mediante a observação, classificação e experimentação de suas práticas produtivas derivadas da inter-relação com o ambiente natural ao longo do tempo.
Assim, os saberes dos pescadores artesanais acumulado secularmente para fazer face aos imperativos da vida do mar – principalmente às desordens naturais – revelaram não só ser elemento mediador da inter-relação cultura e natureza, como condição sine qua non para a viabilidade da pesca artesanal em seus componentes materiais e imateriais. É mediante esse saber que os pescadores definem estratégias adaptativas às flutuações do ecossistema marítimo para assegurar a sua reprodução social no tempo. E, é nesse processo de adaptação inteligente diante das condições bioclimáticas e naturais, que esse sujeito social constrói o espaço marítimo como um espaço sociocultural próprio.” (CUNHA, 2008:5) 1

Obrigado Seu Pú, pela amizade generosa.

Mais informações:
http://www.estadao.com.br/noticias/impresso,cade-o-peixe-que-estava-aqui,840556,0.htm

http://www.youtube.com/watch?v=kudJuC6M_-M&list=PL47A10ABFC600C883&index=3&feature=plpp_video

1- CUNHA, Lúcia Helena de Oliveira. Diálogo de saberes entre tradição e modernidade: ordens e desordens. 26ª. Reunião Brasileira de Antropologia 2008 Porto Seguro, Bahia, Brasil p. 18. Consulta na internet, endereço http://www.abant.org.br/conteudo/ANAIS/CD_Virtual_26_RBA/grupos_de_trabalho/trabalhos/GT%2021/lucia%20helena%20de%20oliveira%20cunha.pdf, em 20 de abril de 2012.

terça-feira, 11 de setembro de 2012

O MODO DE FALAR CAIÇARA

Em 2010 pubiquei um pequeno dicionário com cerca de 1.400 palavras que compilei junto às comunidades caiçaras do Litoral Norte de São Paulo, principalmente as de Ubatuba. Junto com o dicionário foi feito um DVD com o o passo a passo da construção de uma Canoa Caiçara.
Chamei-o de Glossário Caiçara de Ubatuba. Seguem abaixo alguns trechos.


“A peculiaridade do falar caiçara não está só assentada na originalidade dos seus termos, mas, sobretudo, no gestual, na entonação da voz que acompanha o seu falar, na sua postura, nas nuanças do olhar.
O caiçara não apenas fala, ele fala e, ao mesmo tempo, representa.
O seu falar obedece a um ritual elaborado e desempenhado nos mínimos detalhes.
As palavras, quase sempre, são proferidas, ora escandindo na primeira sílaba, ora escandindo na última, produzindo variações sui generis na entonação da fala.
O falar do caiçara é um falar cantado, melódico e harmonioso, em sintonia com a natureza, fazendo contraponto com o marulho das ondas e a musicalidade do sussurro da brisa, numa suave canção de ninar...” (Enciclopédia Caiçara Volume II - Falares Caiçaras - Antonio Carlos Diegues e Paulo Fortes Filho).

NOTA
Esta pequena compilação surgiu, em sua maior parte, da convivência diária com a comunidade de pescadores tradicionais da Praia da Enseada em Ubatuba, litoral norte de São Paulo.

Este glossário nem de longe abrange ou pretende alcançar a totalidade do universo de expressões e palavras usadas no falar característico do povo Caiçara.

É apenas o resultado de curtos 7 anos de convivência íntima com alguns dos últimos guardiões da antiga tradição Caiçara local, tradição que hoje se detecta tão somente por este falar característico recheado de arcaísmos, palavras e expressões forjadas no linguajar ibérico e tupi, que a nova geração já não usa mais.   

É a tentativa de justamente preservar ao menos alguns ecos do “tempo antigo”, ainda que muito já se tenha perdido, a fim de registrar, preservar e recompor este modo de vida ancestral, perfeitamente independente em sua incomparável ligação simbiótica com o mar e a exuberante natureza do nosso litoral.

Arrelá!              Peter, o Alemão.   Praia da Enseada - Outono 2007
CAIÇARA
“Atingimos a caiçara, uma fortificação semelhante a uma cerca de jardim, feita de estacas grossas e longas posicionadas em torno do conjunto de cabanas. É usada pra evitar os ataques dos inimigos”.

(Trecho de: “A verdadeira história dos selvagens, nus e selvagens devoradores de homens, 1548 – 1555”; de Hans Staden, 1557;  tradução Pedro Süssekind, livro 1). Ilustração Vernhagen: não está publicada no Glossário.

AGORA DISPONÍVEL ON-LINE, CLIQUE AQUI

A  
À bem dizer – expressão usada para deixar uma opinião bem clara, significando, melhor dizendo, na verdade, realmente; “À bem dizer, a culpa foi minha”. 

A estrela mudou de lugar – diz-se de estrela-cadente.

À garné – de qualquer jeito, espalhado; “Não tem onde por; põe à garné”.

À la sueste – tipo de vento constante que sopra de sueste quase sempre trazendo chuva fina constante.  

A maré torrô – diz-se de maré muito seca.

À rodo – expressão que significa muita quantidade, “Deu espada à rodo”.

À rola – diz-se do barco deixado à deriva, ao sabor da maré; “Pescamos à rola”; também significa muita quantidade; “Tem corvina à rola.”

À sobrepau – modo de se assar a tainha, direto na brasa sobre galhos de goiabeira verdes ou talos de folha de bananeira, o mesmo que moquém.

Às canha – ao contrário, com a mão canhota.

Abestalhado - diz-se da pessoa que não se integra ao grupo, pessoa ruim, um besta.

Abotoar a rede – ato de se prender uma rede a outra ou uma rede ao rodo de cerco, através do botão de rede.

Abracar – o mesmo que abarcar, abranger, incluir; “Se abraquemo com aquilo tudo!”.       

Abricó – pequeno fruto do abricoeiro, bem redondo e amarelo, usado como ceva para caçar pacas.

Abricoeiro - árvore de médio porte muito comum no litoral, cujos ramos com folhas nas festas de junho são lançados numa fogueira produzindo sonoros estalos.

Abrir água – expressão que significa sair, afastar-se, ir embora; “O cação sumiu, então a tainha abriu água”.

Aceiro – a faixa de terra limpa de mato, feita para impedir que a frente de fogo avance.

Acoitar – o mesmo que hospedar, receber visita.

Acostar – o mesmo que encalhar na praia.

Acostumar com a rede – diz-se do cardume que, no cerco à tróia, se acostuma com o tamanho e posição da rede e não vai na malha; “Tem que bater a pedra logo se não o peixe acostuma com a rede, fica rodando e não malha”. 

Adonde – o mesmo que onde.

Adormentar – o mesmo que colocar um bordado numa canoa; “Coloquei um dormentozinho na canoa“.

Adufe – instrumento musical, o mesmo que pandeiro.

Adular – o mesmo que fazer carinho; “Tá adulando”.

Afeiçoar – talhar ou esculpir algo até o formato desejado, “Afeiçoei a madeira”.

Afichar – apertar, prender; “Tem que apertar bem se não, não aficha o nó”.

Afogar – o mesmo que encher d’água; “A canoa já tava afogando”.

Água leste – correnteza do mar que corre rumo ao leste, também “águas a leste”.

Água sul – correnteza do mar que corre rumo ao sul, também “águas ao sul”.

Aguagem grossa - mudança da cor e textura da superfície d’água ao tremer pela agitação de um cardume de peixe, indica o local e o tamanho do cardume; “Olha a aguagem grossa que vai lá”.

Agulha de palombá – agulha grande de ferro, meio arcada, usada para fechar o saco de lona em que se transportava o peixe seco. 

quinta-feira, 6 de setembro de 2012

AS FERRAMENTAS DO OFÍCIO DE MESTRE CANOEIRO


AS FERRAMENTAS DO OFÍCIO

As ferramentas utilizadas no feitio de uma canoa caiçara são as mais simples e fundamentais da carpintaria, com exceção da motosserra e das ferramentas elétricas, que apareceram para facilitar o trabalho e diminuir o tempo de feitio da canoa, podendo encurtar de um mês para até uma semana, inclusive barateando seu custo de produção. São utilizadas basicamente o machado, o facão, o enxó goiva, o enxó chato, a linha de bater, o prumo, o nível de água, a verruma, o arco de pua, o martelo, o serrote, o formão chato, o formão goiva, as limas, a motosserra, a plaina elétrica e a lixadeira elétrica.
No entanto é o enxó (fig. 33), a ferramenta símbolo do ofício de confeccionar canoas. Como visto anteriormente o enxó é uma das primeiras ferramentas inventadas pelo homem, hoje as lascas de pedra ou conchas foram substituídas pela lâmina de metal. Quase sempre o enxó é forjado pelo próprio mestre canoeiro, que molda a ferramenta de acordo com o seu estilo de trabalhar, e tipo de uso. Vários tipos de enxó (fig. 33.1) são confeccionados para cada etapa do feitio da canoa, os pesados e de cabo longo para cavucar, os leves e de cabo curto para os detalhes, os chatos para aplainar, os “goivados” para escavar e até vincados para fazer a linha do “beque da proa”.





 33.1

Trecho extraído do Dossiê Canoa Caiçara, autor Peter Santos Németh.