quarta-feira, 17 de outubro de 2012

CAPELA DE SANTA RITA - PRAIA DA ENSEADA

Pesquisando sobre a Praia da Enseada em Ubatuba descobrí em jornais datados de 10 de junho e 26 de agosto de 1962, publicação chamada O Atlântico, a história muito curiosa da construção da Capela de Santa Rita da Enseada. No texto do periódico do dia 10/06 encontramos:

"No dia 21 de janeiro último, com grande afluência de turistas, moradores de Ubatuba e praianos da Enseada, e das imediações, no local designado, isto é, na praça ampla que fica na parte mais edificada daquele bairro sob toldo de encerado, distintas senhoras e gentis senhoritas que na ocasião desfrutavam férias na Enseada, armaram e após, enfeitaram com palmas de flores, o altar em que seria celebrada missa alusiva ao lançamento da pedra fundamental da Capela. Frei Victorio Valentini, dinâmico vigário de Ubatuba e animador da construção, foi quem oficiou a cerimônia, falando em seguida, sobre as intenções da Comissão Executiva e sobre a necessidade de todos contribuirem para o importante intento. Em seguida dona Wanda Sarmento Florençano, em nome da Comissão Executiva, proferiu eloquente oração, referindo-se às Rosas de Santa Rita e ao finalizar, convidou a Exma Sra. dona Amália Sodero de Carvalho,(minha bisavó), dama de grandes méritos, que havia sido designada para ser a madrinha de honra da Capela, a colocar a pedra fundamental, juntamente com moedas, jornais e documentos assinados pelos presentes. Nessa oportunidade, dona Maria Ribeiro, antiga moradora da praia das Toninhas colocou junto como oferenda a Santa Rita uma linda rosa votiva. Foguetes espoucaram, o sino bimbalhou festivo e a banda musical de Ubatuba, proficientemente regida pelo maestro Herculano Barros Pinto, executou afinadíssima animado dobrado, assinalando o acontecimento. Em seguida, na residência do casal Wanda e Paulo Florençano, a todos os presentes, foi oferecida lauta mesa com café e bolos de fubá.
Após, no rancho "Meu Chamego", pertencente ao dr. Mário Mendes, [(meu avô)], improvisou-se um animado leilão de prendas, a maior parte delas angariadas por dona Amália Sodero de Carvalho [(minha bisavó)], sendo pois, de iniciativa dessa ilustre senhora, as primeiras importâncias recolhidas pró-construção da Capela."

Outra curiosidade revelada é que o "plano da Capela de Santa Rita da Praia da Enseada foi gentilmente desenhado por Oswaldo Bratke, arquiteto sobejamente conhecido pelas notas de bom gosto, de originalidade e de soluções práticas que infunde à sua obra."

Oswaldo Bratke foi um dos maiores arquitetos brasileiros, entre seus projetos mais conhecidos estão a Residência Ciccilo Matarazzo em Ubatuba e a Residência Oscar Americano no morumbí em São Paulo. (1)

O Projeto original também previa ambulatório médico e escola anexos, (artesanato e prendas domésticas para moças - diurno e alfabetização para adultos - noturno) para a Enseada e as praias vizinhas e apartamento para sacerdotes em férias ou professores e médicos que tivessem necessidade de repouso.

Relata ainda o redator (não identificado), que Francisco Matarazzo Sobrinho (que à época era cogitado para candidato a prefeito de Ubatuba) doou a "vultosa cifra de Cr$ 250.000,00".

No jornal do dia 26-08 noticia-se que os 110 metros de alicerce foram concluidos em julho e que as copiosas chuvas da segunda quinzena das ferias de inverno impediram o leilão de prendas que seria transferido para as férias de janeiro próximo.



Para mim, que desde pequeno ouço essas histórias sobre os memoráveis leilões e quermesses feitas para angariar recursos para a "Igrejinha" realizados lá em casa (Rancho Meu Chamêgo), e também sobre a misteriosa caixa enterrada com moedas, nomes e jornais sob o chão da capela; encontrar um jornal com mais de 50 anos detalhando todos esses fatos, é algo extraordinário, quase sobrenatural.

Uma das muitas "lendas" ocorridas durante essas quermesses diz respeito à minha tia Lígia e meu tio avô o General Tricta, que vestidos como místicos do oriente com direito a véu, lenços e turbante, montaram uma tenda no Rancho Meu Chamêgo oferecendo serviço de vidência e predição de sorte. Resumindo, a tenda do clarividente Lipú de Mafú (alcunha adotada pelo meu espirituoso tio avô) e de sua bela odalisca assistente foi uma das mais requisitadas e suas previsões fizeram tanto sucesso ao ponto de que na temporada seguinte, muitas pessoas passavam lá em casa procurando o vidente Lipú de Mafú para uma nova consulta.
Em fevereiro de 2011, na "Igrejinha", mais uma lenda somou-se ao rol de histórias familiares, nela casei-me.
NOTA: Em janeiro de 2013, fiz cópias das reportagens, emoldurei em vidro e doei para os responsáveis da Capela para ficar exposta no salão da Igrejinha.
(1) http://www.itaucultural.org.br/aplicexternas/enciclopedia_IC/index.cfm?fuseaction=artistas_biografia&cd_verbete=8717&cd_item=1&cd_idioma=28555

Aí estão: Lipú de Mafù e sua linda assitente. Praia da Enseada, julho de 1962.
Foto: Arquivo pessoal da família Carvalho Santos.



segunda-feira, 1 de outubro de 2012

TRADIÇÃO CAIÇARA - TRANSMISSÃO DO SABER



A MANUTENÇÃO E TRANSMISSÃO DO SABER TRADICIONAL CAIÇARA

A capacidade adaptativa das comunidades caiçaras a um ambiente marinho sujeito a bruscas mudanças e as relações entre cultura e natureza dentro de uma abordagem human-in-ecosyistem (BERKES et al., 2003:53), contribuem com a visão de que o conhecimento tradicional acumulado e transmitido oralmente pelos mais idosos e experientes são fundamentais para a manutenção desta capacidade adaptativa frente às grandes mudanças que muitas vezes podem ocorrer e se repetir em períodos cíclicos, sendo portanto fundamental a manutenção e reprodução destes saberes tradicionais entre as gerações, para que elas estejam preparadas no futuro.

Aprendizagem, ou enskilling, é um processo que pode ser descrito como a “educação da atenção”, deste modo anciãos criam contextos estruturados através dos quais o iniciante pode construir as suas próprias habilidades de percepção em relação ao meio ambiente total, biofísico e social.(...)O conhecimento do ambiente, nesta perspectiva, é “(...) não de um tipo formal, autorizado, transmissível em contextos fora aqueles de sua aplicação prática. Pelo contrário, baseia-se no sentimento, que consiste nas habilidades, sensibilidades e orientações que se desenvolveram através da longa experiência de conduzir a vida em um ambiente particular” (Ingold, 2000). (BERKES et al.,2003:68).
O vídeo a seguir retrata in loco como estas operações de transmissão de saber acontecem na prática diária  da atividade pesqueira artesanal. O link: http://www.youtube.com/playlist?list=PLBpXFzQ1-RlO0pNrEXFxmDI2p3eZW5xJ9 remete a uma série de 7 vídeos filmados na Praia da Enseada em Ubatuba - SP , que detalham como naturalmente acontece este processo didático tradicional.

Todos estes aspectos levantados por Davidson-Hunt e Berkes ainda contribuem para a formação dos conceitos  de identidade cultural  e sentido de lugar (BERKES et al., 2003:73) que são considerados associados às atividades práticas das pessoas, às percepções de um ecossistema, e às redes de trabalho relacionais que as pessoas constróem dentro deste ecossistema. Sendo portanto fundamental para os autores, incentivar e assegurar que as pessoas que estão “atentas à terra” sejam capazes de continuar a ganhar a vida em um ecossistema, como uma maneira eficaz para nutrir sistemas sócio-ecológicos rompendo com a dicotomia amplamente aceita da oposição entre subsistência e natureza.
Fontes:
           1- BERKES, F.; COLDING, J,; FOLKE C. (edit) (2003). Navigating social-ecological systems: building resilience for complexity and change. Cambridge: University Press.
2-NÉMETH. P. S.(2012). A tradição pesqueira caiçara da Ilha Anchieta em Ubatuba, São Paulo; os impactos da criação do parque estadual sobre a reprodução sociocultural.