terça-feira, 5 de maio de 2015

Seminário Vila de Picinguaba, 25 anos de prevaricação do Estado.

Em 20 e 21 de abril de 1991, foi realizado na Praia da Picinguaba em Ubatuba, o Seminário “Vila de Picinguaba: propostas para seu desenvolvimento e preservação”.
Em março de 1992, sob coordenação: Adriana Mattoso e elaboração: Lucila Pinsard Vianna foi publicado pela SMA e IF o Relatório da Vila de Picinguaba, documento pioneiro que buscava alternativas para a problemática da ocupação humana em Unidades de Conservação através de um trabalho conjunto e verdadeiramente participativo com essas populações para a viabilização de soluções através de discussões, propostas e decisões. “Ainda dentro dessa perspectiva de participação, o Seminário foi uma etapa para alcançar o objetivo que visa resgatar nos moradores atitudes que possibilitem serem eles próprios os defensores do meio que os circunda”.
Também é corajoso, nesse Relatório, o posicionamento que critica veementemente a prevaricação do Estado por seus próprios servidores.
A conclusão do relatório do SMA e IF sobre o Seminário  já apontava em sua conclusão que, quanto às suas ações conservacionistas, “o Estado não consegue regulamentar os instrumentos que aplica”, quer seja por falta de propostas viáveis, por falta de recursos, por falta de domínio legal sobre o território ou falta de ação planejada. A importância desse relatório, construído à partir de um seminário com ampla participação da comunidade caiçara tradicional local, foi partir do pressuposto de que “a perda ou redução das tradições culturais afeta negativamente a conservação dos ecossistemas naturais” e que “a manutenção destas culturas é uma das condições mais importantes para a preservação da diversidade biológica”.
Outro apontamento significativo foi a ineficácia dos instrumentos de conservação impostos pelo Estado na tentativa conceitual equivocada de compatibilizar a preservação da cultura caiçara local, através do tombamento da Vila de Picinguaba, com a preservação da biodiversidade local, através da Criação do Parque Estadual. Ressaltando que: ”Quanto aos conceitos, três observações devem ser feitas: que o conceito de Parque exclui o objeto do Tombamento; que ambos os conceitos pressupõe uma realidade estática; e por fim que os conceitos não expressam a relação que há entre cultura e biodiversidade, como se um excluísse o outro”.
Conclui ainda o relatório, “Sem entrar no mérito do direito do Estado em tornar patrimônio público um modo de vida - a cultura caiçara – (Processo de Tombamento), é perceptível que suas ações para a conservação da biodiversidade (Criação do Parque Estadual) desaceleraram, mas não evitaram, o processo de desaparecimento deste mesmo modo de vida”.
E continua: “Temos que considerar também que a omissão estatal pode ser uma ação com efeitos retardados e prolongados. Neste sentido, a proibição pura e simples, sem qualquer alternativa para a população da Vila de Pincinguaba, pode ter, pelo contrário do que se pretendia, desestimulado essa população a manter seu modo de vida, e mesmo a se perpetuar no local. Para um legalista, isto pode aparentemente ser interessante, na medida em que expulsa gradualmente os habitantes de um Parque, o que iria de encontro com a legislação dos Parques Estaduais. Mas, se o raciocínio for neste sentido, estamos a preservar uma área para a ocupação e usufruto de turistas privilegiados em detrimento dos moradores de direito”.

Esse Relatório documenta primorosamente uma tentativa de vanguarda que buscou uma mudança de paradigma na forma de gestão de Unidades de Conservação. Infelizmente, após 25 anos, a situação é praticamente a mesma, a história, os conflitos e a ineficiência estatal se repete, e enquanto isso, a cultura caiçara vai desaparecendo. Quando o último portador dessa cultura desaparecer de vez, aí o Estado e seus patrocinadores poderão comemorar de dentro de seus condomínios pé na areia, com vista para o mar.



Fotos: imagens retiradas do facebook de Odaury Carneiro, onde infelizmente não foram creditadas.

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