quarta-feira, 9 de março de 2016

Mestre Josias de Matos, e a Canoa Caiçara de Toque-Toque Pequeno.

O trecho a seguir foi extraído do Jornal da USP de 28 de março a 03 de abril de 2005, ano XX nº.719.

Um jeito de ser 

Para fazer a canoa que o pescador Daniel precisa, o mestre canoeiro Josias Marcelino de Matos (clique e veja vídeos com o Mestre), morador de Toque-Toque Pequeno, precisará aguardar até cair um jequitibá maior do que o que encontrou na mata, hoje transformada em Parque Estadual da Serra do Mar. “Pode ser também cedro ou alguma de igual qualidade. Mas depois de achar a tora, a outra questão vai ser esperar sair a autorização do DEPRN (Departamento Estadual de Proteção dos Recursos Naturais) para eu poder trabalhar a madeira”, diz o mestre canoeiro.

Mas nem sempre foi assim. Até o final da década de 70, muitos caiçaras artesãos que usavam a caxeta ou outras madeiras para seus trabalhos provavelmente não enfrentariam aqueles obstáculos. As leis ambientais, no entanto, restringem o uso do solo e dos recursos materiais em áreas protegidas e o que antes era utilizado livremente, como fonte de subsistência, atualmente tornou-se bem protegido pela legislação.
Mestre Josias. Foto: Peter S. Németh, julho de 2010.

Os entraves legais se intensificaram entre as décadas de 1980 e 1990, período em que foram criadas cerca de 2.098 unidades de conservação de âmbito nacional, como cita o professor Antônio Carlos Diegues em seu livro O mito da natureza intocada. “Foi justamente nesses espaços territoriais litorâneos, de mata tropical úmida, habitados por essas populações tradicionais, que se implantou grande parte das chamadas áreas naturais protegidas, a partir dos anos 30, no Brasil”, registra o livro.

Dono de conhecimentos sobre a biodiversidade da floresta e do mar e de engenhosos sistemas tradicionais de manejo, o caiçara, numa definição dos pesquisadores do Nupaub, é o descendente da mescla étnico-cultural de indígenas, de colonizadores portugueses e, em menor grau, de escravos africanos, cujas comunidades tradicionais subsistiam através da agricultura itinerante, da pesca artesanal, do extrativismo vegetal e do artesanato. No litoral paulista, as comunidades tradicionais caiçaras foram mantidas até a década de 1950, quando começaram a ser abertas as primeiras estradas ligando a região litorânea ao planalto. Apesar de até já ter sido preso por praticar extrativismo de subsistência, Josias pretende continuar sendo mestre canoeiro e passar seus conhecimentos para os filhos. “Insisto em fazer isso por uma questão espiritual”, afirma.

Vento forte é sinal de árvore caída. Depois de um temporal, lá vai Josias trilhar a mata para encontrar alguma espécie que sirva para uma encomenda que eventualmente tiver. De posse de uma autorização, atualmente ele está talhando uma canoa de competição. Mas reclama da demora e da burocracia para obter o documento. “Há pouco tempo perdi uma encomenda porque, quando a autorização saiu, a árvore já tinha apodrecido. Era um tronco bonito que só vendo”, conta. Procurados pela reportagem, os responsáveis pelo DEPRN no litoral norte não deram retorno para se pronunciar sobre as razões do entrave burocrático nas autorizações dadas a artesãos caiçaras.

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