terça-feira, 10 de maio de 2016

Ressaca na Enseada - 5 de setembro de 2006

Quem só conhece a Praia da Enseada no verão, bem mansinha e tranquila, não imagina do que o mar é capaz nos dias de ressaca. Mais uma vez as imagens falarão bem mais do que as palavras.
Fotos: Peter Santos Németh





























sábado, 7 de maio de 2016

MESTRE ANTONIO PERES da Praia do Lázaro.

Pesquisando já há um bom tempo sobre a Ilha Anchieta, encontrei alguns depoimentos interessantes sobre a Ilha, levantados junto aos pescadores locais em 1974, que integram os relatórios FUMEST para o Plano de Exploração Turística da Ilha Anchieta .
Entre estes depoimentos está o do Sr. Antonio Peres, Mestre pescador da Praia do Lázaro e filho de um espanhol, antigo morador da Ilha Anchieta. Resolvi então reproduzir este valioso depoimento quase desconhecido e também juntar outro que já conhecia feito por Marcos Malta Migliano por volta de 1993.
Também o Seu Peres foi imortalizado pelo ex-Titã Nando Reis, na letra da música Pré Sal: 
Desbarrancar das margens parte o lázaro zinho 
Fitas demarcavam rubras tardes de volley 
O centenário perez caminhava sozinho 
Strombus pugilis de róseos lábios 
Bem banhados pela espuma da areia 
Subir num jacaré no cedro e olhar fortaleza 
Sumiu a ilha do mar virado e junto as certezas 
Ácido dourado a pedra me lagarteia 
Na rede o picaré estrelas do mar no céu 
Desponta a dalva de oliveira
Assim pretendo reunir em um só lugar estas informações tão importantes sobre a história da Ilha Anchieta, narradas por este grande Mestre caiçara que ainda tem um depoimento gravado pela FUNDART, dado ao saudoso Ney Martins em 1996.

Por volta de 1974, o Sr. Peres foi entrevistado pela equipe do Professor José Witter e deu o seguinte depoimento que transcrevo a seguir.

Senhor Peres.
Antigo pescador. Hoje tem um restaurante, na Praia do Lázaro (tem uma série de hotéis - Cr$90,00 casal com café da manhã, a praia é linda).
Não acredita em assombração nem viu nada. Aconselhou a falar com Manoel Lopes que mora no Lázaro e nasceu na ilha, Conta que antes do presídio moravam na ilha 150 famílias. A pessoa interessada em instalar um presídio na ilha entretanto, informou ao governo que só havia uma pessoa. O governo então desapropriou. 
O pai de Manoel Lopes foi reclamar do governo que deu uma indenização aos pescadores. No tempo dos pescadores a ilha era toda plantada. Tinha café, banana e laranja que ainda podem ser encontrados. No meio da mata também, no lado de cima há pedaços de casas de pescadores. A ilha era o melhor lugar de pescaria de Ubatuba. Peres trabalhou muito com rede lá, mesmo no tempo do presídio. Nunca houve proibição para os pescadores lançarem redes na ilha. Tinham porém que dar 30% ou 40% para a alimentação dos presos. 
Antes é que havia fartura de peixes. Qualquer criança com um rolo de cipó arrastado na praia pegava 20 ou 30 pescadinhas. Hoje com a maior rede não se pega meia dúzia.
Tainhas, de julho a agosto pegava-se de 5.000 a 10.000 por dia. No Saco da Ribeira não se contava o que pulava no ar. Este (ano) o Sr. Peres não viu uma tainha. Elas se criam na lagoa dos Patos e são mortas lá. As que se criam, os barcos grandes pescam fora (em alto mar). De corvina, antes se tirava 20 toneladas na rede, hoje não se pega 20 kgs. A pesca de arrastão (de porta e de parelha) mata os peixes. Para 1 tonelada que se aproveita, joga-se fora 5.
No tempo em que o Sr. Peres era pescador, não havia lá geladeira. O peixe era salgado e vendido seco ao sol. 
O governo devia fiscalizar o estrago dos peixes. a fiscalização que existe não funciona. Os fiscais de caça e pesca nem tem uma canoa.

Abaixo a reprodução  integral do texto disponível em: http://www.litoralvirtual.com.br/canoeiro/peres.htm.

História de um pescador
Marcos Malta Migliano
Eu particularmente tive muitos mestres e deles guardo grandes recordações. Sou-lhes profundamente grato pelo pouco que sei. Um deles, Antonio Peres, conheci em 1963, em Ubatuba. Juntamente com Lothar Bamberg, ele me ensinou muitas coisas sobre pesca e mar.

"Seu Peres" nasceu na Praia do Lázaro, em Ubatuba, e é um mito, pois até esta data ninguém sabia informar sua idade. O conheço há mais de 30 anos, durante os quais, seu físico pouco se modificou.
Eu era um moleque e ouvia fascinado as histórias que "Seu Peres" contava sobre suas andanças como pescador. Hoje ele é um próspero comerciante, dono do Hotel Canoeiro e do Restaurante do Peres, que por sinal, são muito bons na Praia do Lázaro.
Na semana santa deste ano fui a Ubatuba e aproveitei para passar pela praia do Lázaro e rever os amigos. Tive e idéia de entrevistar "Seu Peres". Afinal, se aprendi tanto com esse homem, porque não dividir isto com os amigos pescadores. Vamos lá!

"Seu Peres", em que ano o senhor nasceu e onde exatamente?

Nasci aqui no Lázaro em 11 de novembro de 1912. Meu pai nasceu na Ilha Anchieta e era descendente de espanhóis. Minha mãe era negra e nasceu no sertão do Rio Escuro.

Isto explica porque o senhor, embora tenha pele escura, possui traços delicados. Seu avô, espanhol, provavelmente era descendente de algum comerciante ou mesmo pirata... Mas, continuando, como era a vida no Lázaro naquela época?

A vida não era fácil. Pra você imaginar, fósforo era uma coisa rara. Quando tinha, era vendido por unidade. A gente acendia o fogo com laranjeira, em uma vala no chão cercada de três pedras (tacuruba) e, à noite, cobríamos com cinza para não apagar. A isto chamávamos de mãe do fogo. Quando ela apagava pegávamos um tição emprestado do vizinho. Daqui à cidade eram 4 horas de caminhada pela mata. Quando morria alguém, colocávamos o corpo em uma rede e transportávamos até a cidade pela mata. E naquela época havia inúmeros animais selvagens pela mata, onde abundavam onças.

E a pesca, "Seu Peres"?

Quando eu era menino, ninguém pescava por aqui, pois não tinha como conservar o peixe. Nós trocávamos ovos, pinga, pimenta e banana por querosene, sal e sabão. Tanto é que com 15 anos fui para Santos trabalhar num sítio de bananas. Havia um barco chamado "Santense" que, de 8 em 8 dias, fazia ligação com Ubatuba. Eu voltava pra cá a cada 2 ou 3 meses para deixar um dinheiro para a família. Em 1943, por causa da guerra, a exportação de bananas fracassou e a procura por peixe aumentou. Então voltei e comecei a trabalhar com minha primeira canoa, feita de timbaúba. O peixe salgado tinha muito valor na época. Foi ai que comecei a pescar. A gente usava espinhel, mas não existia o náilon. As linhas eram verdadeiras cordas de algodão e para que não apodrecesse, a gente fazia um caldo de arueira e aplicava nas cordas, isso dava uma impermeabilização. A linha "madre" tinha mais de um dedo de espessura, dai saia os "estropos" com os anzóis.

Onde o senhor soltava os espinhéis?

Aqui na frente mesmo, pegávamos inúmeros cações, alguns chegavam a pesar 250 quilos. Às vezes soltávamos no canal do ilhote do sul da Ilha Anchieta. Ali existiam cações enormes. Atrás do Mar Virado, cruz credo! Era soltar o espinhel e perder. Os cações desgraçavam com tudo e, quando sobrava alguma coisa do espinhel encontrávamos cações de 70 quilos cortados pela metade. Nos meses de maio a junho, pescávamos tainha. Pra isso utilizávamos dois "espias".

O que eram "espias"?

À noite saíam duas canoas e ficavam observando as tainhas se aproximarem da praia. Quando elas apareciam, eles davam um sinal e os demais pescadores que pernoitavam na praia, punham logo outras duas canoas com a rede e cercavam o cardume recolhendo-o à praia. Numa daquelas noites, um bando de cações se aproximou e um deles mordeu o fundo da canoa de um dos espias, que começou a fazer água. Ele só se salvou porque o companheiro encostou logo a outra canoa e ele mudou de embarcação. Depois comecei a pescar sardinha na traineira de Pedro Leandro (pescador muito conhecido que faleceu com mais de 90 anos. Com ele tive o prazer de uma vez pescar garoupas). Quando saíamos em busca de sardinha, toda vez que recolhíamos a rede, os cações arrodeavam a traineira e nós lançávamos na água verdadeiras cordas munidas de anzol de 20 cm, com um reforço soldado na curva do anzol para que ele não abrisse, fazíamos um cacho de umas 15 sardinhas e era só soltar na água que o bicho ferrava, depois segurávamos a corda e mais ou menos 8 homens. Pegávamos cações desta maneira de 350 quilos.

Com esta quantidade de tubarões o senhor deve ter visto muitos acidentes.

Não. Nunca vi ninguém mordido ou morto por cação.

Mas como nunca houve nenhum acidente, com essa quantidade de cações grandes, se hoje em dia, com menos peixes temos notícias de vários ataques de tubarão?

Muito simples: os caiçaras da minha geração não sabiam nadar. Nuca entravam na água, nem na praia e por isso mesmo só saíam com tempo muito firme. Hoje em dia o pessoal pula no mar em qualquer altura só para tomar um banho. Isso nunca acontecia naquele tempo.

Fora o cação, qual foi o maior peixe pescado pelo senhor na linhada?

Foi um mero de 150 quilos fisgado aqui mesmo na ponta do Lázaro. Demorei umas 3 horas para tirar e ele arrastou a canoa por mais de 500 metros. Eu perdi um maior na ponta da Enseada. Devia ter uns 300 quilos. O mero é danado: quando percebe que está ferrado, sai como um louco. Se a gente folga um pouco ele fica quase parado no fundo, vai nadando muito devagar.

Depois destas características descritas pelo senhor, aliadas a lembrança de um mero que perdi em Natal, conclui que o peixe - batizado por mim de "coisa" - que perdi na Barra do Pujuca, na Bahia, devia ser um mero de mais de 100 quilos. Mas voltando as suas lembranças, o senhor não gostava muito de pescar de linha?

Eu gostava sim. Muitas vezes ia à noite à Ilha Anchieta e nas Palmas pescar garoupa. Naquela época pegava grandes bitelos. Usava como isca bonito ou sardinha.

Agora o senhor vai me revelar um segredo: durante mais de 20 anos em que faço pescarias por aqui, o senhor sempre acertou o tempo. Lembro-me que eu levantava às 5 horas da manhã para ver como estava o mar e já o encontrava na praia. Então me dizia: "Hoje tudo bem, pode ir". Às vezes, me falava: "Hoje o mar vai virar". Todas as vezes que não ouvi seus conselhos me arrependi. Como o senhor acertava?

("Seu Peres" dá um sorriso amarelo e começa a contar)
Como não sabíamos nadar e nossas embarcações eram meio primitivas, não podíamos correr nenhum risco, por isso observávamos bem os sinais do tempo. Quando as estrelas estão brilhando demais no céu, é sinal que vai "noroestar" (vento forte a noroeste). Quando no nascer do sol ou no por do sol estiver muito vermelho o tempo vai virar. Antes de nascer o sol, se as folhas das árvores tiverem bastante orvalho o tempo será firme. Se elas estiverem secas o tempo vira. Outra prática infalível é observar o Pico do Corcovado (em Ubatuba): se estiver bem limpo, o tempo normalmente é bom; se estiver encoberto, vai chover.

Quando começou a acabar os peixes por aqui?

Depois de 1970 o peixe foi desaparecendo. Em primeiro lugar, acho que foi por causa do excesso de arrasto. Por mais de 15 anos arrastarem dia e noite aqui na baía do Lázaro, matando peixe que vinha reproduzir ou crescer. Depois pelo desrespeito ao defenso na pesca da sardinha. A sardinha é o pasto do mar, se não tiver sardinha os peixes vão procurar alimento em outro lugar. Agora pararam de arrastar porque não tem mais nada. É possível que o peixe volte. Uma coisa que voltou foram as baleias. Durante muitos anos elas vinham aqui na praia do Lázaro. Depois ficaram mais de 20 anos sem dar as caras. Agora, todo ano tem uma visitinha. Não na quantidade que havia 40 anos atrás, mas estão voltando. As tartarugas também estão aparecendo em maior número. Acho que é devido ao Projeto Tamar.

E o senhor ainda pesca?

Profissionalmente e esportivamente. Ainda tenho meu cerco na Anchieta, inclusive no ano passado, entrou uma tintureira de 250 quilos. E as vezes eu saio para apanhar um espada ou uma garoupa na Ponta da Cruz.

Agora revele-nos um último segredo: o que faz para estar assim em plena forma?

("O velho Peres dá uma risadinha, levanta-se, vai buscar uma cerveja gelada e um camarão no bafo. Ao voltar, me diz:)
Conte um pouco das pescarias que você tem feito por ai, em outras terras...

Embora ele dissimulasse bem, eu não me perdi. Quando deu uma folga, chamei o Edinho, um de seus sete filhos, que toma conta dos negócios do pai na Praia do Lázaro, juntamente com os irmãos Carlinhos e Josué, e pedi que me contasse a formula do velho para continuar assim, do mesmo jeito de quando o conheci, há 30 anos. Ele também não fala, mas eu acabei descobrindo: "Seu Peres" não come frituras; peixe, só ensopado; e salada quase a semana toda; carne vermelha no máximo uma vez por semana; bebida, muito pouco; levanta muito cedo; caminha uns 5 km de manhã e outros 5 km à tarde, ai ele entra um pouco na água do mar e nada muito... Só, mar alimentação sadia, caminhadas, enfim, uma perfeita harmonia com a natureza, o que resulta em muita paz. Assim nem dá para perceber o tempo passando. É por isso que ele nunca vai envelhecer.     FIM.

Sobre a Praia do Lázaro, o pesquisador ubatubano, José Ronaldo dos Santos nos dá a seguinte informação em seu blog http://coisasdecaicara.blogspot.com.br: 
Vovó Eugênia, cuja vó viveu como escrava na Praia do Lázaro até quando veio a abolição em 1888, assim dizia
"Meu pai, João da Barra, era dono de um pedaço de terra na Praia do Lázaro, com duas medidas de dez braças de imbé, indo até o morro que vira para o Rio Escuro. Essa terra ainda tá lá, faz limite com a Tia Benedita, mãe do Antônio Peres. Tudo de frente pro mar, no jundu, comprado do padre João Manuel da Conceição. Era nesse chão que se sustentou João Faria, um coitado que aos sessenta anos já vivia numa cama por estar lázaro. Dessa doença vem o nome do lugar". 

sexta-feira, 6 de maio de 2016

Exploração Turística da Ilha Anchieta - 1974

Pois bem que parece coisa de ficção, mas não é.
Analisando a história da Ilha Anchieta no século XX, percebe-se que desde 1905, quando foram expulsos centenas de caiçaras daquela Ilha para a instalação da colônia correcional, o Estado passou todo o período deste século exercendo seu poder de forma autoritária e visando seus próprios interesses. Colônia correcional, presídio político, presídio comum, local de quarentena para gado, "depósito" de imigrantes bessarábios, prisão de guerra para os Shindo-remei, posto de prestação de serviços de assistência aos profissionais da pesca, manicômio para onde seria transferido os pacientes do "Juqueri", colônia de férias para trabalhadores do Estado, exploração turística e urbanística, soltura de animais do zoológico, parque estadual terrestre e polígono de interdição à pesca. Ufa! Esse é um breve resumo de todas as mirabolantes ideias de uso da Ilha Anchieta pelo Estado. Algumas ficaram (ainda bem) só no papel. É sobre a mais megalomaníaca de todas que irei brevemente falar agora.
O Plano de Exploração Turística da Ilha Anchieta de 1974.
Esse plano "maravilhoso" escolheu a Ilha para "sede de um dos centros mais importantes do turismo nacional, com projeções na escala internacional [...] que se objetivam nas seguintes possibilidades: restaurantes e paradores, observatório astronômico e meteorológico, capela do pico, parque florestal e zoológico, clube de campo e camping, auditório, concertos e ballet ao ar livre, lago artificial e centro de cultivo de água doce, clube hípico, de caça e montanhismo, hotéis balneários, restaurante de praia, hotel oceânico, boate submarina, boate de gruta, iate clube"  (FUMEST, 1974).
Inacreditável? Surreal? Estou delirando?
Pois então coloco abaixo algumas fotos deste plano de "concepção urbanística".
Assim ia ser o cantinho da Praia Grande da Ilha Anchieta com seu hotel. (FUMEST, 1974).

Assim ia ser a parte do presídio transformado em centro comercial. (FUMEST, 1974).
Descrição geral do "empreendimento". (FUMEST, 1974).

Mapa de localização de todos os "empreendimentos". (FUMEST, 1974).

A primeira vez que vi este documento fiquei estarrecido. No entanto, não obstante essas maluquices do Estado, foram sempre os caiçaras que saíram perdendo. Expropriados de suas terras e de seus territórios pesqueiros localizados na Ilha Anchieta, perderam sua identidade sociocultural, perderam seu modo de vida tradicional, perderam seu sustento e sua arte pesqueira. Perderam tudo.